quinta-feira, setembro 27, 2007

"Arte na Paisagem" Laura Castro

Da actualidade do tema

A actualidade do tema arte que motivou o projecto “Land Art” no Parque da Lavandeira é hoje visível numa vasta produção académica, na realização de cursos, congressos e colóquios e na quantidade de publicações editadas sobre paisagem e arte. Mas essa actualidade revela-se ainda na criação de museus e centros de arte na paisagem, num movimento que vem dos meados dos anos 70 com a fundação do Yorkshire Sculpture Park, em Inglaterra, facto que originou uma vaga de instituições vocacionadas para a apresentação e a interpretação da arte em cenários naturais. Estas instituições, se podem considerar-se herdeiras da tradição dos museus ao ar livre e dos jardins de escultura criados até aos meados do século XX, devem sobretudo ser consideradas renovadoras dos modelos de divulgação e fruição da arte. O projecto “Land Art”, não se constituindo como projecto de carácter museológico, partilha caracteres vitais deste movimento que, insista-se, é da maior actualidade.

Breve contextualização do Projecto “Land Art”

Nos finais dos anos 60 e ao longo dos anos 70 instalaram-se sinais de revisão e alteração das práticas artísticas que resultaram num profundo questionamento da realidade da arte. Neste contexto, um dos fenómenos mais interessantes é o da Land Art, Earth Art ou Earth Works, que surge nos Estados Unidos da América, através de figuras como Robert Smithson, Michael Heizer, Nancy Holt ou Walter De Maria. Neste período, a sua relação com a paisagem altera-se radicalmente: os artistas deixam a contemplação passiva da paisagem e decidem intervir activamente, alterando-a. A arte já não representa a paisagem, apropria-se dela e apresenta-a. Os artistas saem dos seus ateliers e a sua prática caracteriza-se por intervenções de grande escala na própria natureza, desenhando túneis, escavando a terra, abrindo percursos, deslocando grandes massas de areia, terra e pedras, construindo ilhas e trajectos artificiais. A terra e a natureza passam a ser a matéria, o tema e o lugar da arte. [Estamos longe de Goethe para quem a arte era arte, porque não era natureza].
Para lá desta tradição americana, surgiram na Europa outros artistas como Richard Long, Andy Goldsworthy, Alfio Bonanno, Nils Udo que optaram por intervenções de menor escala e mais simples, contaminadas por práticas antigas de marcação do território, por construções tradicionais, deixando sinais subtis da sua passagem, o rasto da sua presença. Estes artistas procuraram distinguir-se dos anteriores optando, por vezes, pela designação de Environmental Art.
A arte passou a ser encarada como experiência e não como produção de objectos; o público passou a valorizar essa experiência e não a consumir peças de carácter material; a arte passou a acontecer em qualquer lugar e não apenas no espaço restrito da galeria.
Interessante é avaliarmos as propostas dos artistas que participaram no projecto do Parque da Lavandeira, à luz desta situação criada a partir dos anos 70. Algumas das intervenções espelham, de facto, a indefinição e a dúvida, quer sobre o conceito de arte, quer sobre o modo de a fruir, quer sobre o espaço em que ela se apresenta.
É certo que, na sua maioria, foram escultores que trabalharam mas não foram esculturas o que produziram. Optaram por recorrer ao que a própria natureza contém, ao que o parque oferece, instalaram elementos precários do ponto de vista material, fizeram intervenções que nos obrigam a reflectir e a sorrir, e reconciliaram a arte com o mundo natural em que também vivemos. É certo que se trata de intervenções para olhar e ver mas todas elas reabilitam o acto do andar, a importância do caminhar, a presença física do observador no seu meio. [Dizia Gassendi: “Ando, logo existo”].

Sobre o Projecto “Land Art” e sua continuidade

O Parque da Lavandeira tem excelentes condições para a realização de actividades deste teor e o Parque Biológico provou já ter recursos e meios para estas realizações e alargar os seus públicos, para lá de consolidar os que já conquistou. Como primeira acção, trata-se de uma actividade com um certo cunho experimental que poderá desenvolvida no sentido de proporcionar acções com maior pertinência cultural e alcance mais profundo, configuradas na linha de programação agora iniciada.
Entretanto, e para concluir, devo referir que prefiro a expressão arte na natureza à expressão Land Art. A designação Land Art está demasiado conotada com o início de todo este movimento e tem particularidades próprias de enquadramento, escala e horizonte. Mas prefiro ainda mais o termo arte na paisagem ao termo arte na natureza, porque tudo o que nos rodeia é já natureza modelada pelo homem, tratada, alterada, domesticada, ou seja, paisagem. Afinal, não é a paisagem a natureza “artealizada”? [Alain Roger].
Projectos como este podem mostrar-nos aquilo que o olhar dos artistas potencia e o poder poético e prático das suas intervenções. Na reconversão, na reconstrução, na recuperação de paisagens e espaços, o papel dos artistas é fundamental. Nem sempre as suas intervenções se impõem pela escala ou pela monumentalidade, pelo excesso de design, pela afronta e imposição de elementos adicionados ao existente, mas, ao contrário, essas intervenções podem afirmar-se pela subtileza, pelo respeito pelo envolvente, pelo acto de reforçar ou potenciar algo que já está na paisagem e que os artistas têm capacidade de sublinhar e revelar. Projectos como este permitem-nos esperar ainda mais dos artistas, aqui envolvidos em acções efémeras, e vê-los envolvidos em realizações permanentes, a par daqueles que ordenam e organizam o lugar dos nossos passos, o lugar dos nossos actos, o lugar das nossas vidas.

Laura Castro

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